abril 2025 - Homem Quieto

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Encontrar opções em atividades offline é uma recomendação repetida à exaustão por especialistas em bem-estar e saúde. Alguns até mesmo adver...



Encontrar opções em atividades offline é uma recomendação repetida à exaustão por especialistas em bem-estar e saúde. Alguns até mesmo advertindo sobre espantosas consequências destrutivas físico/intelectuais/cognitivas. Não acho que é para tanto (embora eu não tenha propriedade alguma para assim afirmar), acredito que as pessoas devam ter liberdade para usufruir de seus momentos vagos com atividades às quais encontram prazer.
 
Ainda crendo nas máquinas e telas como ótimas ferramentas de trabalho e excelentes meios de entretenimento, nos últimos dois anos, tenho me afastado delas progressivamente. À exceção do desenho digital, pesquisas e vídeos (YouTube)... distribuo meu tempo, fora do trabalho, de outros modos. Desenhar no método tradicional me traz mais prazer, aproveito melhor cada momento utilizando meus materiais artísticos e o sketchbook físico diante de mim.
 
Ler, vagarosamente, no papel também é melhor experimentado. Revistas, quadrinhos e livros impressos são fontes de grandes satisfações. O silêncio da leitura me traz deleite e alimenta a imaginação. Esse hábito é parte de meu cotidiano desde muito jovem e sigo com a mesma intensidade e frequência. Sou dono de uma concentração satisfatória, meus pensamentos se organizam e raramente me falta a paciência... estou sempre com algo para pensar a respeito.
 
Minha coleção de discos e meu aparelho de som fazem parte de outro hábito terapêutico. Satisfaço-me com o degustar de discos por completos, prestando atenção em faixa por faixa. Longe do celular e tendo nada diante dos olhos senão o teto ou um encarte, meus ouvidos captam cada onda sonora, cada acorde e instrumento. Dentre o silêncio da leitura, da abstração do desenhar no papel e da "barulheira" da boa música (os estilos que gosto), o cotidiano recompensa, oferecendo serenidade e autoconfiança.
 
Claro que no meio disso e daquilo, há os tempos de tela. Afinal, vivo o presente, vivo o mundo que me cerca, por mais caótico que muitos alardeiam tentando nos amedrontar. A vida virtual também é boa, não deveria ser tratada desse jeito. Vivi bastante, vi outras mídias serem atacadas e consideradas ameaças à juventude, o que mudou com o tempo. Do Rock às HQs, passando pela TV e os videogames... quando se olha para trás, vemos o quanto houve de engano.
 
Muitos fazem questão de vilanizar a tecnologia. Só que o vilão está em nós. Qualquer um com o mínimo de informação sabe que fazer três refeições diárias, alimentando-se de pizza de calabresa traz consigo riscos de problemas cardiovasculares e buracos nas finanças. Mas se o acesso a esse tipo de consumo for delimitado e intercalado com uma alimentação equilibrada, temos o divertimento garantido. Há, de fato, quem sofra com o vício, o que também pode representar a necessidade de alerta. Um diabético obcecado por doces precisa de supervisão e do autocontrole para se manter saudável.
 
O direito de se entreter e se expressar jamais deve ser reprimido e receber as culpas dos adoecimentos sociais. Há sempre algo a se apontar. Um monte de argumentos precipitados, cheios de preconceitos, associando o lúdico e os vícios menores como causadores dos males que sempre estiveram lado a lado com a humanidade. Respeitemos o tempo, os seus sintomas, comportamentos e como a cultura se molda e transforma. Para o bem e para o mal o fluxo é contínuo, do jeito como sempre foi e será.

  Antes mesmo da alfabetização, somos apresentados ao material mais elementar na jornada de um Artista: o lápis. Semelhante a uma bola, a es...

 

Antes mesmo da alfabetização, somos apresentados ao material mais elementar na jornada de um Artista: o lápis. Semelhante a uma bola, a estrutura e a interação com ele já nos diz ao que se destina. Traçamos e tracejamos, fazemos uma confusão de linhas, do mesmo jeito com que chutamos uma bola para qualquer lado. Se muitos se encantam com a bola, em um número bem menor há os seguidores do caminho do lápis - e estes são os dos nossos.
 
Nas possibilidades infindáveis do seu manejar, revelam-se mil e uma descobertas. É quando percebemos ser o lápis a extensão da mente e do coração. Imagens são transferidas para o papel e a imaginação se prolifera em cada parte em branco do mundo. Guardamos nossas folhas, orgulhosos, sob a avaliação generosa dos professores de Artes e de nossos pais e mães. Crescemos portando o lápis para onde vamos, guardando-o dentre nossos pertences. E ele representa o nosso refúgio na infância, na juventude e, quando a vida nos encaminha e permite, no viver adulto.
 
Ainda no colegial, apeguei-me muito à lapiseira (um lápis mecânico) e com ela rabiscava os cantos de livros didáticos e cadernos. Fui recriminado, severamente, por professores mais austeros com essa prática, não me causando qualquer espécie de arrependimento. Nós, do caminho do lápis, temos algo de transgressor. Os Desenhos ornam desde monumentos, paredes a móveis e utensílios domésticos... do mesmo modo que os profanam. Surge, dessa maneira, o valor da beleza ou o desafio à civilidade. Cada riscado acompanha a desatenção ao sagrado quadro negro e a ausência dos professores e autoridades similares.

O cotidiano é observado mais profundamente aos que persistem e resistem no Desenho. Quando se aprende o caminho e como o seguir, encontra-se a habilidade e, assim, as oportunidades de sermos livres. Somos propelidos por saber sempre mais e a admirar Artistas inspiradores. Logo, o caminho do lápis transcende, transforma-se no caminho das tintas, das telas, do grafite e assim por diante. Sobretudo, quem está nele, está por um tipo de afeto de difícil definição. Um sentimento aberto a interpretações e a incompreensões.
 
Embora induza ao interesse - às vezes admiração - por parte dos leigos, o desenhar transmite impressões oblíquas sobre nós. Dentre elogios e pareceres triviais, somos tratados de forma diferente, como se algo sagrado e pueril nos envolvesse. Aparentemente, estamos eternamente colorindo e contornando em busca da aprovação dos que nos cercam. Mas jamais recebemos indiferença ao revelar nosso (desculpe a palavra) dom a alguém que não saiba fazer um "boneco de palito". Vamos convir: não há qualquer erro nesses aspectos banais na vida de um Desenhista.
 
O valor de se usar o lápis está na expressão, no sabor de registrar o nosso imaginário e os nossos pensamentos. Povoamos dos livros infantis às páginas dos jornais, fazemos críticas, sátiras, homenagens. Pouco a pouco, e silentes, entregamos ao mundo muitos motivos para necessitar de Artistas empunhando o lápis. Quem subestima o Desenho ignora o poder nele contido e por isso se arrisca. A habilidade de dar formas às ideias age no subterrâneo e nos subtextos pictóricos, os quais combatem a tudo e a todos nas trincheiras opostas. O lápis também perfura e pode ferir - de forma subjetiva - incisivamente, até mais que a adaga.