É inevitável refletir ou me autoanalisar quando estou diante algumas artes figurativas. Como em uma consulta às cartas de Tarô ou uma divagação alucinógena, sou seduzido pelos signos, as formas e figuras. Entusiasmado, às vezes me ocorre uma releitura pelas minhas mãos - uma resposta ao que me capturou o olhar. Como ocorre neste post com Honeysuckle de Grandville (Jean Ignace Isidore Gérard).
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Obra original. |
Da adocicada e perfumada arte de Grandville, bebo o cálice avidamente: com o estranho, com o sonho e com a imaginação livre se manifestando para a completa embriaguez. Em particular, no capítulo Honeysuckle, da obra Les Fluers Animées, na qual Grandville é coautor como desenhista. Visto a minha personagem, Cláudia, da História em Quadrinhos Vivi Morbi - de minha autoria -, na pele de Honeysuckle (ou Madressilva), uma onírica e adorável planta antropomorfizada.
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Tentei deixar a mão leve, mas acabei querendo mais controle. |
Em vez de atrair beija-flores, borboletas e abelhas, a flor delicada e envolvente serve do seu delicioso néctar a uma cabra... Interessou-me imediatamente quando a vi ali, sem motivo algum, senão por uma intromissão pagã em um quadro repleto da mais singela beleza. A presença do poderoso e belo animal cornífero me levou a imaginar perspectivas profanas para cada linha delicada mostrada na peça.
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A página do Sketchbook. Ainda estou no início |
Como Cartunista - segundo pesquisei -, Grandville trouxe temáticas e estilo únicos à imprensa e à literatura da França no século XIX, recebendo méritos por ter sido influente para o posteriormente batizado "Movimento Surrealista" - já conhecido pela maioria na atualidade. Ainda que contrariado pela censura e recebendo críticas de que a sua arte agradaria apenas às "pessoas superficiais" (segundo o escritor e poeta Baudelaire), Grandville soube lidar com as pedras em seu caminho e continuou.
Entretanto, com a censura, obrigou-se a curvar, mesmo sem amortecer a ousadia de suas criações. O humor e os questionamentos à efemeridade da beleza, às modas de sua época e ao papel da mulher perante a sociedade, permaneceram dando o tom de suas inclinações. Em Les Fluers Animées, sobretudo, envolveu a botânica como alegoria ao seu traço. Em comum comigo está o prazer em retratar graciosas figuras femininas. Já o uso simbólico do reino vegetal não me diz tanto quanto a ele.
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Desenho finalizado. |
Desenhei rosas, pétalas e arabescos florais algumas vezes... No entanto, para mim as plantas não chegam a ser estímulos imaginários inspiradores, limitando-se à culinária vegetariana e a preocupação que mantenho com a ecologia. Há, sim, pessoas próximas e familiares com interesses pela jardinagem. A atividade para eles não se trata de uma prática científica... acredito, muito mais para os resultados terapêuticos de se lidar com terra, acompanhar as germinações e o desenvolvimento peculiar de cada espécie.
Ainda sendo um referencial relativamente distante de minhas produções - pelo o que pude acessar de seus trabalhos -, considero Grandville um poeta do Cartum. Um talento da crítica ao cotidiano com admirável habilidade e competência, que alcançaram também obras literárias relevantes. Grandville contribuiu com títulos como Robinson Crusoé, Don Quixote e As Aventuras de Gulliver... não é à toa que também foi exemplo a outros grandes nomes, dentre eles, até mesmo Walt Disney.