Homem Quieto

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  A inspiração, dessa vez, foi o conto "O Modelo" da obra "Pequenos Pássaros" de Anaïs Nin. A história está dentre um co...

 A inspiração, dessa vez, foi o conto "O Modelo" da obra "Pequenos Pássaros" de Anaïs Nin. A história está dentre um compilado de contos eróticos. E adianto se tratar de um livro adulto, para maiores de dezoito anos... leia meus pareceres neste link. Literatura é um de meus interesses. Prova disso, foram as minhas participações em oficinas para aprender escrita criativa (promovidas pelo CESC). Esses eventos parecem ser criados para trazer desconforto. Realizados aos sábado e domingos, bem cedo, tinham pausa para almoço e continuavam até o final da tarde. Produzíamos redações e éramos avaliados rigorosamente. Em minha primeira experiência, dizia o escritor para todos: "Sejam cruéis uns com os outros" - para se ter uma ideia.

No esboço, o rosto do pintor está diferente. O processo me obrigou a fazer a alteração.
No início da segunda oficina na qual me inscrevi, a ministrante nos questionou sobre o que levaria qualquer um a se empenhar em uma escrita. Diante das respostas, as quais sugeriam "expressar sentimentos" e outros motivos similares, ela nos pôs em dúvidas sobre todas as nossas motivações como escritores. Apresentou-nos as técnicas narrativas mais usadas e desvinculou de nós divagações e devaneios presentes em nossa falta de experiência literária. Até mesmo por trás de uma prosa lírica, recorre-se a fundamentos presentes nas intenções de qualquer autor previamente bem informado.
A lineart foi a parte mais rápida.
O ato emocional não está inserido no momento do redigir. Isso desfiguraria a narração. O propósito se estabelece no que se pretende causar ao leitor. Se um texto provocativo não afrontou ninguém, falhou. Se um drama trouxe risos, idem. Se o objetivo de uma narrativa for o horror e assim não o fizer, fracassou. (Precisamos excluir da conversa os cinéfilos de Horror, pondo uma exceção ao público que tem picos de euforia e de risos diante deste gênero).
Pela primeira vez em muitos anos, usei cores.
A carga emotiva acontece no oposto de onde parte. Ofereço a analogia com a culinária. Ao dizermos que se colocou amor em um preparo, compreendemos um sabor satisfatório. Porém, tal afeto acontece ao degustarmos, não no cozinhar. A(o) chefe da cozinha, calculou, mediu e aplicou estratégias culinárias para o sentimento identificado como "amor" brotar do paladar de quem estiver sendo servido. Deste modo, escrever é método. Conduzir uma narrativa requer técnica e a utilização de "ingredientes" corretos.
A conclusão me agradou. Valeu à pena retirar a aquarela da gaveta.
O interesse pela literatura está em baixa, isso é fato. Há muito tempo as oficinas de escrita criativa não são mais anunciadas em minha cidade e, segundo as informações midiáticas, a leitura de livros não é mais tão frequente. Essa é a informação que tenho colhido no cotidiano. Mas a esperança não está perdida. No último evento de cultura geek onde estive, um garoto bem jovem (oito anos no máximo), acompanhado da mãe, aproximou-se de minha mesa para comprar minha HQ, Prisma Negro. Contou-me de suas aspirações para quando crescer: ser um poeta. Dentre tantos astronautas e médicos... um poeta. Testemunhei um acontecimento raro.

Testemunhei meu desenho eclodir de um ovo evolutivo e se revelar coberto por sua plumagem esparsa, completamente vulnerável e faminto - quan...



Testemunhei meu desenho eclodir de um ovo evolutivo e se revelar coberto por sua plumagem esparsa, completamente vulnerável e faminto - quando lhe ofereci o calor de meu acolhimento. Laborei nele zelosamente, esperando um dia o ver se tornar uma elegante e astuta ave negra - tão negra quanto o nanquim o qual hoje lhe fornece forma. Vendo-o agora, alçando seus voos diante de tantos olhares curiosos (e às vezes admiradores), sinto-me orgulhosamente recompensado por progredir e pela disposição à perseverança.
 
Como assim o descrevo, o trabalho alcançou valor, adquiriu importância e foi além: transformou-se em um produto possível de ser oferecido como um presente. Presentear e ser presenteado me causa desconforto. Explicar isso coerentemente é difícil. Para mim, esse tipo de envolvimento me faz sentir encabulado. Em contrapartida, vejo a minha Arte como o presente mais sincero que eu possa oferecer. Veja: tais sentimentos reforçam as minhas convicções de meus pensamentos se voltarem mais à criação e serem menos lógicos. 
Na fase do esboço é preciso mão leve.
Foi como resultado desses pensamentos divagantes, o surgimento de uma leitora imaginária à qual quero presentear. Ela é hipoteticamente fã de minha HQ Vivi Morbi e cujo perfil fictício se incluiria: gostar de gatos, tatuagens old school, teorias conspiratórias sobre alienígenas e ter como filme predileto "A Fantástica Fábrica de Chocolates". Para mim faz sentido, então... seguimos assim... a lógica está suspensa, por enquanto. Descrições adicionais são desnecessárias - a ilustração fala por si.
  
Em uma análise rápida, há evidências sobre como eu surpreenderia singelamente a minha "leitora". Entendendo cada parte da ilustração chegamos ao todo. Concebo, assim, uma imagem e suas alegorias. Executo cada detalhe utilizando de algo ao que me refiro como "Arte Gráfica"... a rigor, o ato de "grafar". A grafia sugere formas e conceitos, alimentando as percepções e os pensamentos.
Meu sketchbook segue recebendo nanquim semanalmente.

Ao vermos a pegada de um tênis em um chão de terra, imediatamente associamos ao calçado. Saberemos aproximadamente o número comparando aos nossos pés. Se a marca do fabricante estiver presente, poderemos supor a suas campanhas publicitárias e estimar até mesmo o valor. Embora nas palavras desse post, e nos traçados de minha ilustração, não falemos de uma linha de produção, a analogia acrescenta bastante sobre as minhas intenções. Neste fazer lúdico, cubro a folha em branco, fazendo uso do improviso, do intencionalmente espontâneo e intuitivo e em suas escolhas mais honestas.
 
Sou o ator subindo ao palco e acrescentando falas ao script (enquanto escrevo) e faço tal o jazzista com o instrumento musical em suas mãos (enquanto desenho). Tudo ao meu modo, valendo-me da intuição inclinada ao dionisíaco e calando temporariamente os hábitos apolíneos aos quais normalmente sigo. Convertendo meu "modus operantis" habitual, trago na Arte a permissão em me contradizer. Aqui deposito justamente a quebra de qualquer regra. Exato como minha leitora provavelmente apreciaria e daria um sorriso aprovador.

Desenho finalizado.

E a quebra de regras é bem-vinda, ela traz emoções de difícil explicação. Houve um evento, em que expus, onde um rapaz pegou uma das prints de minha mesa enquanto eu "não via" e apenas a colocou em uma bolsa e saiu sorrateiramente com a sua apropriação indébita. Inicialmente fiquei furioso, porém o sentimento foi substituído em poucos minutos - pensei melhor e me senti envaidecido. Oras, meu desenho é assim tão valioso ao ponto de alguém querer roubar? Foi o que me pareceu naquele momento.

Seguiremos com esse novo formato de post, no qual faço comentários sobre os processos e falo de meus pensamentos ao longo da execução do tra...

Seguiremos com esse novo formato de post, no qual faço comentários sobre os processos e falo de meus pensamentos ao longo da execução do trabalho. Estou seguindo mais ou menos o método de escrita cunhado por May Sinclair, chamado "Fluxo de Consciência", o qual Doroty Richardson preferia se referir como "Monólogos Interiores". Minha memória precisa de auxílio, sendo assim, mantenho um bloco de anotações ao meu alcance durante meus momentos diante da prancheta.
 
A exploração criativa, dessa vez, vem em simbolismos muito particulares. Não busquei outras fontes senão o meu próprio subconsciente. Foi um desenvolvimento semelhante ao de uma brincadeira de criança. Pablo Picasso dissera que "Toda criança é um artista, o problema é como assim continuar depois de crescer". Agindo segundo essa ideia, apenas acessei as áreas ocultas do Jardim do Éden das minhas percepções e delas extraí as mais puras e inocentes imagens.
Esboço preliminar.

Quando Ferreira Gullar disse: "A Arte existe porque a vida não basta" demonstra um argumento incontestável, pois a ausência da Arte seria desesperadora. Afirmação possível de se estender às comunicações digitais. Sempre enxerguei algo de inventivo nos comportamentos online das pessoas. Algo em falta atualmente. Os nicknames foram abandonados, juntamente aos personagens assumidas pelos internautas de outras épocas. Ou seja, a fantasia tem se esvaído, substituída por debates e mais debates, uma opinião após a outra e, consequentemente menos imaginação.
 
De minha parte, o caminho lúdico da internet se mantém. O que produzo é tudo o que me preocupo em compartilhar. Agora, (como nesse texto) forneço ainda mais informações sobre cada desenho que eu fizer, indo além de apenas usar hashtags. Deste modo, descrevo agora um pouco sobre ilustração tratada nesse post. A ideia se formou de modo improvável: alguns vídeos curiosos no YouTube que assisti. Improvável porque tratavam de estudiosos operando experimentos entomológicos nada convencionais: cultivando "amizades" com insetos e aracnídeos venenosos. Impressiona como animais habitualmente hostis têm compreensão de quando seres diferentes deles são amistosos e oferecem cooperação. Então me ocorreu a minha personagem, Vivi Morbi, interagindo com uma borboleta cujas asas são lâminas de barbear.

Mais uma folha do caderno.

A flor e a borboleta tentando aproximação, ambas exibem aspectos delicados, mas também inspiram cautela, seja por serem cortantes, pelas pétalas pretas ou pelo caule espinhoso. O que a borboleta procura é o néctar na flor, simbolizado pela própria Vivi. A lingerie sugere aspectos atrativos, vulnerabilidade e libido, poder e beleza, dos quais a borboleta letal quer se saciar. Vivi é que permite quem pode ou não tocar a rosa sombria e fértil. Para completar a sensualidade do desenho, em segundo plano está a lua cheia. Essa fase lunar é comum na contemplação romântica, poética e no despertar erótico humano através de influências gravitacionais.

Resultado final.
Esse desenho foi o resultado de mais um sábado à tarde, quando após um café, vou para minha mesa de desenho. Tenho preferido o desenho tradicional. É que o digital está me cansado mentalmente. Não sei se o motivo é a troca das lentes de meus olhos, ou se esse suporte realmente tem esse efeito. Ainda assim, gosto de desenhar digitalmente, intercalando entre o papel e o display. O importante é fazer e ter uma boa relação com a Arte.

Trago, nesse post, a minha versão de um motivo abordado por muitos artistas dos movimentos Renascentista e do Romantismo. Pinturas nas quais...

Trago, nesse post, a minha versão de um motivo abordado por muitos artistas dos movimentos Renascentista e do Romantismo. Pinturas nas quais vemos uma bela jovem nos braços da figura de um esqueleto humano, representação arquetípica da Morte. Recebendo o mesmo título: "A Morte e a Donzela", tais obras exibem exatamente o que descrevem.
  
As maiores dificuldades estiveram nos detalhes. Ainda estou me acostumando ao meu novo par de óculos, sendo necessário me afastar e aproximar do papel seguidas vezes para revisar proporções e espaços. As lentes estão certas, vejo com nitidez, mas, às vezes, ainda há distorções relacionadas aos tamanhos dos elementos. O desconforto já foi mais intenso, entretanto está atenuando em direção da adaptação definitiva aos costumes dos olhos. 

Lápis do desenho.

Claramente, essa peça se mostra erótica e funesta ao mesmo tempo (Eros e Tanatos de Freud), temas relacionados pelos mistérios da existência e da inexistência. Os pensamentos me colocaram em um "Memento Mori" durante os cuidados em torno da finalização. Assim, caí em saudades, memórias de tempos do frescor da juventude, além de uma profunda e introspectiva reflexão sobre a finitude.
 
Aos vinte e quatro anos, vivia grande ansiedade por um dia publicar um quadrinho e o expor em eventos. Vontade realizada após os quarenta. Mas consegui. Mesmo tardando, tornei possível meu sonho maior, ficando quites com aquela versão passada de mim. Meus conceitos holísticos em torno da Arte contemplam tudo isso: as realizações, os resultados e o processo. A Arte mantém a saúde mental, acompanhada do auto aprimoramento... sobretudo minha relação comigo mesmo e a adoração à autoestima.

Sketchook companheiro dos Sábados à tarde.
Mas, muitas pessoas intensamente ligadas à Arte se encontram ou estiveram em mal-estar e agonias existenciais. Li, nessa semana em uma revista, sobre a escritora Virginia Woolf ter se jogado em um rio com dezenas de pedras nos bolsos, em um ato derradeiro. A Arte estava presente, mas a dose desse remédio fora insuficiente. O drama era pesado demais e as dores muito insuportáveis. Todos vivemos nossas agruras e, para alguns, elas são maiores do que podem sentir... Ainda assim, devemos lembrar sobre a beleza da vida, dos prazeres que dela advêm. Pois bem, esses são os temas desse desenho em última análise...
Resultado Final.
Mas, alegremo-nos com as delícias de viver com a Arte - e para deixar o post mais leve, vamos falar de algo menos sério. Como damos importância a coisas sem real valor, não é? Houve um dia em que fiquei emocionado por ter recebido oitenta e poucos likes em um post no instagram. E o que significa isso, afinal? Nada senão que oitenta pessoas apertaram um borrão de luz em uma tela de celular. É de dar risada, concorda?