2025 - Homem Quieto

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A revista Heavy Metal estreou em 1977, na França e posteriormente surgiu o licenciamento para publicação nos EUA, chegando ao Brasil em 1995...

A revista Heavy Metal estreou em 1977, na França e posteriormente surgiu o licenciamento para publicação nos EUA, chegando ao Brasil em 1995. Estive com algumas edições nacionais em mãos, adquiridas nos sebos da cidade. Simon Bisley, Milo Manara, Moebius dentre outros grandes nomes fizeram parte da galeria da Heavy Metal. Era uma revista de alto nível. As temáticas da época se caso estivessem sendo veiculadas hoje, talvez gerariam boicotes e críticas por parte de pessoas sensíveis na internet. Compreensível, passaram-se décadas. Não acompanhei como se manteve a linha editorial após os anos 90... 
Algumas escolhas foram abandonadas da fase do esboço.

O nome "Heavy Metal" já diz um pouco de seu conteúdo. Fantasia, horror e sci-fi, dentre violência, comportamentos perigosos e erotismos. As capas traziam imagens fortes e impactantes. Neste post, tento colocar a minha personagem Vivi Morbi em uma situação semelhante àqueles temas... está feito, ao meu modo, satisfatoriamente. Ainda sobre a revista, ela foi derivativa do movimento musical do seu momento. A ousadia e a rebelião estavam em alta dentre os jovens. Transgredir era obter uma boa reputação entre as tribos urbanas e nas noites. O Heavy Metal trazia o poder da desobediência e no desafio à moral: uma forma de pôr abaixo qualquer agente repressor.

Já como gênero musical, há quem pense no Heavy Metal como um estilo capaz de pôr em jogo o bem-estar de pessoas com problemas psiquiátricos. Isso devido à sua sonoridade e as suas letras... tudo levado ao extremo, ao desequilíbrio. Para mim, o oposto. O Heavy Metal (e seus subgêneros) me faz bem. O Metal Extremo e sua estética me causam familiaridade, identificação e prazer. Escolho muito bem minhas audições e se eu sentisse qualquer problemática, pararia imediatamente. Só tenho muita empolgação e deleitosas apreciações.

Me dei muito bem com esse sketchbook. 

As drogas, como um todo, estão no lado de fora de minha vida. Tenho aversão, à exceção de meus remédios para a saúde mental. O carinho da família e os cuidados de meu médico provém meus melhores dias. Mesmo com a vida ligada ao Heavy Metal e ao Rock, nos quais as atitudes e lemas são ousados... Sou pura calmaria. Dispenso excessos, ficando apenas com a música.

Opto apenas por ser correto. Ser justo. Honesto. A tranquilidade da vida pacata tem importância preferencial à qualquer outro ímpeto. Encontro a aventura nas criações artísticas. Não quero agito, não quero muito falatório, nem badalação. O encontro comigo mesmo basta. Tenho o afeto familiar, dos amigos e do Tander, meu animal de estimação. A adoração à autoestima e à arte nutrem meu ser como uma força vital externa e interna. Sou confiante assim. Embora frágil, também tenho uma fortaleza dentro de mim.

Na finalização, muitos improvisos.
Para não fazer minha imagem como a de um "santo", revelo já ter sido fumante e ter usado muito álcool… hoje os vejo como hábitos questionáveis e incompatíveis comigo. Porém, tenho o café... Aos sábados à tarde, costumo tomar café ir até minha prancheta para sessões de desenho. Antes do desenho, sempre o café. Para mim, uma bebida sagrada e saborosa. Por tê-lo deste modo, não faço abuso do café. O seu efeito e sabor são para momentos especiais, para a fagulha da criatividade e o relaxamento... às vezes, para uma boa conversa.

  Todos os ritos e crenças à periferia das religiões dominantes, no ocidente, são considerados paganismo. Qualquer fé politeísta também é as...

 

Todos os ritos e crenças à periferia das religiões dominantes, no ocidente, são considerados paganismo. Qualquer fé politeísta também é assim tida. As tradições do Norte Europeu, anteriores à ascensão do cristianismo, cultivavam práticas comunitárias, adorações às divindades da natureza e aos atos heroicos inspirados em seus Deuses. Na contemporaneidade temos organizações de crenças nomeadas como "Neopagãs", resgatando os laços trazidos da antiguidade.
 
Esboço solto. Tenho usado o lápis e não lapiseiras.
O Paganismo enaltece a vida simples e as tradições e cultos ancestrais. Assim como nos povos originários brasileiros, e demais sul americanos, antes da chegada dos colonizadores contaminados pelo catecismo Apostólico Romano. No Antigo Egito, a primeira grande civilização de milênios antes do marco cristão, a cultura e a arte estavam interligadas à religiosidade politeísta - exemplo que se repete nos demais povos africanos. Similaridades possíveis de se encontrar nas tradições Xintoístas da Ásia, onde também se destaca o Budismo. 
 
Do Xintoísmo, distingue-se semelhanças à filosofia de Espinoza, na qual a espiritualidade interliga tudo como parte de um só ser: a Natureza. Visão que ilumina meus pensamentos místicos e convicções metafísicas. Encontro, na contemplação de um Universo miraculoso, a crença no panteão das mais belas leis regendo a realidade - poderes imensuráveis, nos quais me identifico e me diluo.
 
As folhas do novo sketchbook têm se mostrado ideais para pintura com aquarela.
Jamais tive proselitismos em minha formação de caráter, o que considero uma bênção. Os ritos segundo os evangelhos, seguidos aqui no Brasil, não fizeram parte das fases galgadas no meu progredir da vida. Sendo assim, permito-me ser e agir sob as glórias dos Deuses e na liberdade de meu próprio juízo, obtidos através do legado moral familiar, da cultura e das consultas às filosofias surgidas ao longo da história.
 
Com toda a inspiração pagã, ilustro este post. Aqui vemos Eliza Morbi, mãe de Vivi Morbi na pele da imortal (mas humana) Sibila. Acompanhamos a lindíssima Eliza/Sibilia na travessia da cratera do Vesúvio, levada por Caronte em seu barco. Essa passagem - como descrito por Virgílio - foi onde Enéas ofereceu sacrifícios às divindades infernais. Sibila padece de sua maldição de ser tão longeva em dias de vida, como na quantidade de grãos em um punhado de areia - que porém, não decorre para a juventude eterna, mas sim em um terrível envelhecimento.
Finalizado. Foi bom ter voltado com as cores.
Desenho Eliza a poupando de tal agonia, oferecendo-a apenas a beleza e o glamour de Sibila, juntamente às peculiaridades sombrias já conhecidas sobre a família Morbi. A Sibila mitológica tem, como ofício etéreo, descrever o destino de todos em folhas caídas de uma árvore. Tornando-se assim, a senhora do destino, da existência e dos nomes de nascimento da humanidade. Nossas histórias de vida são frases encantadas lançadas pelo Tempo, como um livro escrito ao acaso e à efemeridade.



Trago um motivo originado de uma comemoração do mês que atravessamos. Trata-se da mudança de estação do hemisfério norte das Américas. Uma t...

Trago um motivo originado de uma comemoração do mês que atravessamos. Trata-se da mudança de estação do hemisfério norte das Américas. Uma tradição celta apropriada posteriormente pela religião católica e convertida em tema festivo nos países Anglo. Dentre nós, brasileiros, reconhecemos o ensejo como "Dia das Bruxas", as quais não há ligação alguma dentre os festejos.
 
Para mim, o Halloween tem o seu valor. Um bom pretexto para fazer tudo o que já faz parte de meus hábitos do início ao encerrar do ano: assistir filmes de Terror e ouvir Metal Extremo, bem como fazer desenhos temáticos. O lado sombrio permanece, a despeito de quaisquer incentivos sazonais externos. Pertenço a esses costumes, tradicionalmente, desde muito jovem.

Cada vez menos detalhes no esboço.

Também não sou um morcego a todo instante... preciso usar minhas máscaras sociais para lidar com o mundo. Quando em convívio com os que povoam o meu cotidiano, desempenho a minha (falta de) habilidade social perfeitamente. E acredite: quanto mais me esforço em ser sociável, parece que estou fazendo ao contrário.

Sketchbook novo. Nova marca, melhor papel.

Sou um personagem de Halloween na alma, porém sem fantasias para afastar os maus espíritos... mas sim, a rigor, para repelir pessoas. Dada essa oportunidade do ano, permito-me transparecer, neste texto e ilustração, as minhas peculiaridades nada elogiáveis. Essas, talvez só aceitas neste momento e pelos simpatizantes da referida data celebrada.
 
Comentei dia destes, com minha mãe que, ainda com minha personalidade e predileções, as produções artísticas de meu portfólio aparentam alegria e graciosidades. As tentativas de demonstrar um lado sinistro são sempre falhas. Esse traço paradoxal até que me agrada. Muitas vezes a expressão bem-humorada e um timbre menos sombrio pode tornar agradável cada Halloween que passa.

Resultado final. Mexi digitalmente no segundo plano (estava muito intenso).

Talvez, a razão de minha arte seja mesmo a de divertir, alegrar ou (quem sabe) trazer beleza para perto dos olhos e aquecer os corações. Porque sinto bem-estar ao desenhar. Essa atividade faz meus dias correrem com mais entusiasmo. Quando posso parar tudo e pegar um lápis e papel, minha mente se torna limpa. As preocupações se esvaem... qualquer sentimento ruim dá lugar à tranquilidade. Pensando bem, os aspectos alegres fazem bastante sentido. Em última análise, perfeitamente compreensível.

O motivo para este post não poderia ser mais pessoal. Vemos aqui a Vivi em uma prática magística, executando um ritual onde há a alteração d...

O motivo para este post não poderia ser mais pessoal. Vemos aqui a Vivi em uma prática magística, executando um ritual onde há a alteração do mundo ao seu redor e a mudança da realidade através de manipulações místicas de elementos do inconsciente. Estaria a própria Vivi me evocando para a desenhar dentro dessa cena?
 
Meus primeiros contatos com a magia foram pelas mãos de meu saudoso tio Pê, presenteando-me com um exemplar de O Alquimista da autoria de Paulo Coelho. Com essa leitura, fui movido a buscar outro de seus best-sellers: o Diário de um Mago. Dessas duas obras, eu, um jovem de quatorze anos, absorvi os conceitos do que seria a magia com facilidade.

Lápis feito sem muita preocupação em detalhar.

Essa compreensão quase sempre era o assunto entre mim e um amigo da mesma idade, também interessado pelo misticismo. Nossas conversas eram longas e submersas na curiosidade sobre o oculto. Não o vi mais em uma dessas esquinas responsáveis por nos afastar de algumas pessoas. Mas após aquela época meus interesses tiveram guinadas e tomaram outras veredas. Por outro lado, a magia permanecia - ainda que oculta nos detalhes. 

A satisfação do sketchbook.

Voltei-me a ela outra vez em minha segunda internação em uma clínica psiquiátrica, lá nos anos 90. Na rotina da instituição havia a terapia ocupacional, entre o café da manhã e o almoço. Era quando eu me sentia melhor e mais relaxado. Dentre as atividades terapêuticas, eu tentava desenhar, porém alguns medicamentos me impediam por causa da impregnação. Por isso busquei a leitura. Dentre o acervo da clínica, descobri as HQs do Sandman e da coleção Vertigo. Novamente a magia se manifestava. E foi com intensidade.

Já em dois mil e dez, mais estável, embora com acompanhamento profissional e medicado, pude ir morar sozinho pela primeira vez. Diante da liberdade e por ter privacidade a meu favor, resolvi mergulhar na magia como eu sempre desejei. Enriqueci a imaginação com filmes, séries e livros sobre o tema e fui em busca de informações mais verídicas. Acessei as fontes possíveis: podcasts, blogs e livros - todas elas me trouxeram as maravilhas de um caminho rico em imaginação e descobertas.

Resultado final.

Os exercícios se mostraram difíceis, mas obtive resultados muito expressivos. Ainda assim, não fui um praticante persistente, as experiências duraram poucos anos. Isso porque percebi que as práticas, os estágios e as provações como magista me traziam desequilíbrios psíquicos, bem como prejuízos à saúde mental - esta que eu tanto luto para preservar. Não fui forte para perseverar e evoluir. Escolhi então, manter apenas um olhar místico sobre meu cotidiano e contemplar a magia presente no dia a dia. Ser artista já é algo mágico.

  É inevitável refletir ou me autoanalisar quando estou diante algumas artes figurativas. Como em uma consulta às cartas de Tarô ou uma diva...

 É inevitável refletir ou me autoanalisar quando estou diante algumas artes figurativas. Como em uma consulta às cartas de Tarô ou uma divagação alucinógena, sou seduzido pelos signos, as formas e figuras. Entusiasmado, às vezes me ocorre uma releitura pelas minhas mãos - uma resposta ao que me capturou o olhar. Como ocorre neste post com Honeysuckle de Grandville (Jean Ignace Isidore Gérard).

Obra original.

Da adocicada e perfumada arte de Grandville, bebo o cálice avidamente: com o estranho, com o sonho e com a imaginação livre se manifestando para a completa embriaguez. Em particular, no capítulo Honeysuckle, da obra Les Fluers Animées, na qual Grandville é coautor como desenhista. Visto a minha personagem, Cláudia, da História em Quadrinhos Vivi Morbi - de minha autoria -, na pele de Honeysuckle (ou Madressilva), uma onírica e adorável planta antropomorfizada.

Tentei deixar a mão leve, mas acabei querendo mais controle.

Em vez de atrair beija-flores, borboletas e abelhas, a flor delicada e envolvente serve do seu delicioso néctar a uma cabra... Interessou-me imediatamente quando a vi ali, sem motivo algum, senão por uma intromissão pagã em um quadro repleto da mais singela beleza. A presença do poderoso e belo animal cornífero me levou a imaginar perspectivas profanas para cada linha delicada mostrada na peça.

A página do Sketchbook. Ainda estou no início

Como Cartunista - segundo pesquisei -, Grandville trouxe temáticas e estilo únicos à imprensa e à literatura da França no século XIX, recebendo méritos por ter sido influente para o posteriormente batizado "Movimento Surrealista" - já conhecido pela maioria na atualidade. Ainda que contrariado pela censura e recebendo críticas de que a sua arte agradaria apenas às "pessoas superficiais" (segundo o escritor e poeta Baudelaire), Grandville soube lidar com as pedras em seu caminho e continuou.

Entretanto, com a censura, obrigou-se a curvar, mesmo sem amortecer a ousadia de suas criações. O humor e os questionamentos à efemeridade da beleza, às modas de sua época e ao papel da mulher perante a sociedade, permaneceram dando o tom de suas inclinações. Em Les Fluers Animées, sobretudo, envolveu a botânica como alegoria ao seu traço. Em comum comigo está o prazer em retratar graciosas figuras femininas. Já o uso simbólico do reino vegetal não me diz tanto quanto a ele.

Desenho finalizado.

Desenhei rosas, pétalas e arabescos florais algumas vezes... No entanto, para mim as plantas não chegam a ser estímulos imaginários inspiradores, limitando-se à culinária vegetariana e a preocupação que mantenho com a ecologia. Há, sim, pessoas próximas e familiares com interesses pela jardinagem. A atividade para eles não se trata de uma prática científica... acredito, muito mais para os resultados terapêuticos de se lidar com terra, acompanhar as germinações e o desenvolvimento peculiar de cada espécie.
 
Ainda sendo um referencial relativamente distante de minhas produções - pelo o que pude acessar de seus trabalhos -, considero Grandville um poeta do Cartum. Um talento da crítica ao cotidiano com admirável habilidade e competência, que alcançaram também obras literárias relevantes. Grandville contribuiu com títulos como Robinson Crusoé, Don Quixote e As Aventuras de Gulliver... não é à toa que também foi exemplo a outros grandes nomes, dentre eles, até mesmo Walt Disney.

  A inspiração, dessa vez, foi o conto "O Modelo" da obra "Pequenos Pássaros" de Anaïs Nin. A história está dentre um co...

 A inspiração, dessa vez, foi o conto "O Modelo" da obra "Pequenos Pássaros" de Anaïs Nin. A história está dentre um compilado de contos eróticos. E adianto se tratar de um livro adulto, para maiores de dezoito anos... leia meus pareceres neste link. Literatura é um de meus interesses. Prova disso, foram as minhas participações em oficinas para aprender escrita criativa (promovidas pelo CESC). Esses eventos parecem ser criados para trazer desconforto. Realizados aos sábado e domingos, bem cedo, tinham pausa para almoço e continuavam até o final da tarde. Produzíamos redações e éramos avaliados rigorosamente. Em minha primeira experiência, dizia o escritor para todos: "Sejam cruéis uns com os outros" - para se ter uma ideia.

No esboço, o rosto do pintor está diferente. O processo me obrigou a fazer a alteração.
No início da segunda oficina na qual me inscrevi, a ministrante nos questionou sobre o que levaria qualquer um a se empenhar em uma escrita. Diante das respostas, as quais sugeriam "expressar sentimentos" e outros motivos similares, ela nos pôs em dúvidas sobre todas as nossas motivações como escritores. Apresentou-nos as técnicas narrativas mais usadas e desvinculou de nós divagações e devaneios presentes em nossa falta de experiência literária. Até mesmo por trás de uma prosa lírica, recorre-se a fundamentos presentes nas intenções de qualquer autor previamente bem informado.
A lineart foi a parte mais rápida.
O ato emocional não está inserido no momento do redigir. Isso desfiguraria a narração. O propósito se estabelece no que se pretende causar ao leitor. Se um texto provocativo não afrontou ninguém, falhou. Se um drama trouxe risos, idem. Se o objetivo de uma narrativa for o horror e assim não o fizer, fracassou. (Precisamos excluir da conversa os cinéfilos de Horror, pondo uma exceção ao público que tem picos de euforia e de risos diante deste gênero).
Pela primeira vez em muitos anos, usei cores.
A carga emotiva acontece no oposto de onde parte. Ofereço a analogia com a culinária. Ao dizermos que se colocou amor em um preparo, compreendemos um sabor satisfatório. Porém, tal afeto acontece ao degustarmos, não no cozinhar. A(o) chefe da cozinha, calculou, mediu e aplicou estratégias culinárias para o sentimento identificado como "amor" brotar do paladar de quem estiver sendo servido. Deste modo, escrever é método. Conduzir uma narrativa requer técnica e a utilização de "ingredientes" corretos.
A conclusão me agradou. Valeu à pena retirar a aquarela da gaveta.
O interesse pela literatura está em baixa, isso é fato. Há muito tempo as oficinas de escrita criativa não são mais anunciadas em minha cidade e, segundo as informações midiáticas, a leitura de livros não é mais tão frequente. Essa é a informação que tenho colhido no cotidiano. Mas a esperança não está perdida. No último evento de cultura geek onde estive, um garoto bem jovem (oito anos no máximo), acompanhado da mãe, aproximou-se de minha mesa para comprar minha HQ, Prisma Negro. Contou-me de suas aspirações para quando crescer: ser um poeta. Dentre tantos astronautas e jogadores de futebol... um poeta. Testemunhei um acontecimento raro.

Testemunhei meu desenho eclodir de um ovo evolutivo e se revelar coberto por sua plumagem esparsa, completamente vulnerável e faminto - quan...



Testemunhei meu desenho eclodir de um ovo evolutivo e se revelar coberto por sua plumagem esparsa, completamente vulnerável e faminto - quando lhe ofereci o calor de meu acolhimento. Laborei nele zelosamente, esperando um dia o ver se tornar uma elegante e astuta ave negra - tão negra quanto o nanquim o qual hoje lhe fornece forma. Vendo-o agora, alçando seus voos diante de tantos olhares curiosos (e às vezes admiradores), sinto-me orgulhosamente recompensado por progredir e pela disposição à perseverança.
 
Como assim o descrevo, o trabalho alcançou valor, adquiriu importância e foi além: transformou-se em um produto possível de ser oferecido como um presente. Presentear e ser presenteado me causa desconforto. Explicar isso coerentemente é difícil. Para mim, esse tipo de envolvimento me faz sentir encabulado. Em contrapartida, vejo a minha Arte como o presente mais sincero que eu possa oferecer. Veja: tais sentimentos reforçam as minhas convicções de meus pensamentos se voltarem mais à criação e serem menos lógicos. 
Na fase do esboço é preciso mão leve.
Foi como resultado desses pensamentos divagantes, o surgimento de uma leitora imaginária à qual quero presentear. Ela é hipoteticamente fã de minha HQ Vivi Morbi e cujo perfil fictício se incluiria: gostar de gatos, tatuagens old school, teorias conspiratórias sobre alienígenas e ter como filme predileto "A Fantástica Fábrica de Chocolates". Para mim faz sentido, então... seguimos assim... a lógica está suspensa, por enquanto. Descrições adicionais são desnecessárias - a ilustração fala por si.
  
Em uma análise rápida, há evidências sobre como eu surpreenderia singelamente a minha "leitora". Entendendo cada parte da ilustração chegamos ao todo. Concebo, assim, uma imagem e suas alegorias. Executo cada detalhe utilizando de algo ao que me refiro como "Arte Gráfica"... a rigor, o ato de "grafar". A grafia sugere formas e conceitos, alimentando as percepções e os pensamentos.
Meu sketchbook segue recebendo nanquim semanalmente.

Ao vermos a pegada de um tênis em um chão de terra, imediatamente associamos ao calçado. Saberemos aproximadamente o número comparando aos nossos pés. Se a marca do fabricante estiver presente, poderemos supor a suas campanhas publicitárias e estimar até mesmo o valor. Embora nas palavras desse post, e nos traçados de minha ilustração, não falemos de uma linha de produção, a analogia acrescenta bastante sobre as minhas intenções. Neste fazer lúdico, cubro a folha em branco, fazendo uso do improviso, do intencionalmente espontâneo e intuitivo e em suas escolhas mais honestas.
 
Sou o ator subindo ao palco e acrescentando falas ao script (enquanto escrevo) e faço tal o jazzista com o instrumento musical em suas mãos (enquanto desenho). Tudo ao meu modo, valendo-me da intuição inclinada ao dionisíaco e calando temporariamente os hábitos apolíneos aos quais normalmente sigo. Convertendo meu "modus operantis" habitual, trago na Arte a permissão em me contradizer. Aqui deposito justamente a quebra de qualquer regra. Exato como minha leitora provavelmente apreciaria e daria um sorriso aprovador.

Desenho finalizado.

E a quebra de regras é bem-vinda, ela traz emoções de difícil explicação. Houve um evento, em que expus, onde um rapaz pegou uma das prints de minha mesa enquanto eu "não via" e apenas a colocou em uma bolsa e saiu sorrateiramente com a sua apropriação indébita. Inicialmente fiquei furioso, porém o sentimento foi substituído em poucos minutos - pensei melhor e me senti envaidecido. Oras, meu desenho é assim tão valioso ao ponto de alguém querer roubar? Foi o que me pareceu naquele momento.

Seguiremos com esse novo formato de post, no qual faço comentários sobre os processos e falo de meus pensamentos ao longo da execução do tra...

Seguiremos com esse novo formato de post, no qual faço comentários sobre os processos e falo de meus pensamentos ao longo da execução do trabalho. Estou seguindo mais ou menos o método de escrita cunhado por May Sinclair, chamado "Fluxo de Consciência", o qual Doroty Richardson preferia se referir como "Monólogos Interiores". Minha memória precisa de auxílio, sendo assim, mantenho um bloco de anotações ao meu alcance durante meus momentos diante da prancheta.
 
A exploração criativa, dessa vez, vem em simbolismos muito particulares. Não busquei outras fontes senão o meu próprio subconsciente. Foi um desenvolvimento semelhante ao de uma brincadeira de criança. Pablo Picasso dissera que "Toda criança é um artista, o problema é como assim continuar depois de crescer". Agindo segundo essa ideia, apenas acessei as áreas ocultas do Jardim do Éden das minhas percepções e delas extraí as mais puras e inocentes imagens.
Esboço preliminar.

Quando Ferreira Gullar disse: "A Arte existe porque a vida não basta" demonstra um argumento incontestável, pois a ausência da Arte seria desesperadora. Afirmação possível de se estender às comunicações digitais. Sempre enxerguei algo de inventivo nos comportamentos online das pessoas. Algo em falta atualmente. Os nicknames foram abandonados, juntamente aos personagens assumidas pelos internautas de outras épocas. Ou seja, a fantasia tem se esvaído, substituída por debates e mais debates, uma opinião após a outra e, consequentemente menos imaginação.
 
De minha parte, o caminho lúdico da internet se mantém. O que produzo é tudo o que me preocupo em compartilhar. Agora, (como nesse texto) forneço ainda mais informações sobre cada desenho que eu fizer, indo além de apenas usar hashtags. Deste modo, descrevo agora um pouco sobre ilustração tratada nesse post. A ideia se formou de modo improvável: alguns vídeos curiosos no YouTube que assisti. Improvável porque tratavam de estudiosos operando experimentos entomológicos nada convencionais: cultivando "amizades" com insetos e aracnídeos venenosos. Impressiona como animais habitualmente hostis têm compreensão de quando seres diferentes deles são amistosos e oferecem cooperação. Então me ocorreu a minha personagem, Vivi Morbi, interagindo com uma borboleta cujas asas são lâminas de barbear.

Mais uma folha do caderno.

A flor e a borboleta tentando aproximação, ambas exibem aspectos delicados, mas também inspiram cautela, seja por serem cortantes, pelas pétalas pretas ou pelo caule espinhoso. O que a borboleta procura é o néctar na flor, simbolizado pela própria Vivi. A lingerie sugere aspectos atrativos, vulnerabilidade e libido, poder e beleza, dos quais a borboleta letal quer se saciar. Vivi é que permite quem pode ou não tocar a rosa sombria e fértil. Para completar a sensualidade do desenho, em segundo plano está a lua cheia. Essa fase lunar é comum na contemplação romântica, poética e no despertar erótico humano através de influências gravitacionais.

Resultado final.
Esse desenho foi o resultado de mais um sábado à tarde, quando após um café, vou para minha mesa de desenho. Tenho preferido o desenho tradicional. É que o digital está me cansado mentalmente. Não sei se o motivo é a troca das lentes de meus olhos, ou se esse suporte realmente tem esse efeito. Ainda assim, gosto de desenhar digitalmente, intercalando entre o papel e o display. O importante é fazer e ter uma boa relação com a Arte.

Trago, nesse post, a minha versão de um motivo abordado por muitos artistas dos movimentos Renascentista e do Romantismo. Pinturas nas quais...

Trago, nesse post, a minha versão de um motivo abordado por muitos artistas dos movimentos Renascentista e do Romantismo. Pinturas nas quais vemos uma bela jovem nos braços da figura de um esqueleto humano, representação arquetípica da Morte. Recebendo o mesmo título: "A Morte e a Donzela", tais obras exibem exatamente o que descrevem.
  
As maiores dificuldades estiveram nos detalhes. Ainda estou me acostumando ao meu novo par de óculos, sendo necessário me afastar e aproximar do papel seguidas vezes para revisar proporções e espaços. As lentes estão certas, vejo com nitidez, mas, às vezes, ainda há distorções relacionadas aos tamanhos dos elementos. O desconforto já foi mais intenso, entretanto está atenuando em direção da adaptação definitiva aos costumes dos olhos. 

Lápis do desenho.

Claramente, essa peça se mostra erótica e funesta ao mesmo tempo (Eros e Tanatos de Freud), temas relacionados pelos mistérios da existência e da inexistência. Os pensamentos me colocaram em um "Memento Mori" durante os cuidados em torno da finalização. Assim, caí em saudades, memórias de tempos do frescor da juventude, além de uma profunda e introspectiva reflexão sobre a finitude.
 
Aos vinte e quatro anos, vivia grande ansiedade por um dia publicar um quadrinho e o expor em eventos. Vontade realizada após os quarenta. Mas consegui. Mesmo tardando, tornei possível meu sonho maior, ficando quites com aquela versão passada de mim. Meus conceitos holísticos em torno da Arte contemplam tudo isso: as realizações, os resultados e o processo. A Arte mantém a saúde mental, acompanhada do auto aprimoramento... sobretudo minha relação comigo mesmo e a adoração à autoestima.

Sketchook companheiro dos Sábados à tarde.
Mas, muitas pessoas intensamente ligadas à Arte se encontram ou estiveram em mal-estar e agonias existenciais. Li, nessa semana em uma revista, sobre a escritora Virginia Woolf ter se jogado em um rio com dezenas de pedras nos bolsos, em um ato derradeiro. A Arte estava presente, mas a dose desse remédio fora insuficiente. O drama era pesado demais e as dores muito insuportáveis. Todos vivemos nossas agruras e, para alguns, elas são maiores do que podem sentir... Ainda assim, devemos lembrar sobre a beleza da vida, dos prazeres que dela advêm. Pois bem, esses são os temas desse desenho em última análise...
Resultado Final.
Mas, alegremo-nos com as delícias de viver com a Arte - e para deixar o post mais leve, vamos falar de algo menos sério. Como damos importância a coisas sem real valor, não é? Houve um dia em que fiquei emocionado por ter recebido oitenta e poucos likes em um post no instagram. E o que significa isso, afinal? Nada senão que oitenta pessoas apertaram um borrão de luz em uma tela de celular. É de dar risada, concorda?

  Joinville emendou o feriado de Corpus Christi - na segunda metade do mês de junho - para sediar, nos pavilhões da Expoville, o grandioso S...

 

Joinville emendou o feriado de Corpus Christi - na segunda metade do mês de junho - para sediar, nos pavilhões da Expoville, o grandioso SuperXP. Com a satisfação de lá estar expondo, presenciei o esplendor em forma de festa e celebração cultural promovida pelo entretenimento. Centenas de jovens circularam entre grandes atrações, tendo consigo as mais variadas expressões de personalidade. Foi cativante encontrar um público evocando os seus desejos de liberdade e autenticidade exclusivamente possível a quem realmente se permite voar.

 
Cada espaço do SuperXP foi uma atração à parte. Os participantes trouxeram a alegria, a criatividade, juntamente à vivência de verdadeiros sonhos ilimitados. Foi sensacional passear por aqueles corredores sob o clima que causava o mais puro encanto. Com imensa gratidão por ser presenteado com tudo o que tornou favorável a minha participação em meio àqueles momentos célebres e memoráveis, considero-me, com isso, privilegiado em minha jornada artística. A mesa onde expus recebeu a atenção na medida esperada, compartilhada com os jovens e muito talentosos artistas do "Hall dos Artistas".
A sensação de segurança e de acolhimento por parte dos organizadores e de todos os demais foi inigualável. Tudo convergiu para uma das melhores experiências dentre todas as semelhantes onde estive. Não foram exploradas todas as possibilidades oferecidas pelo evento, pois só pude permanecer lá até sábado à tarde. Precisávamos, eu e meu irmão, voltar a Criciúma antes do momento que prometia mais visitantes: o domingo - tornando, assim, nossa despedida um pouco precoce.

Como tocamos na palavra "despedida", é o momento no qual digo adeus às passagens em eventos geeks e congêneres. Após nove anos de peregrinação entre feirinhas, grandes feiras, convenções e demais encontros, encerro tudo por aqui. Continuarei produzindo minhas coisas, desenhando e escrevendo quadrinhos, mas entro em aposentadoria das demais atividades. Foi um período realizador que deixo para trás. Não encaro essa decisão com tristeza ou sentimentos ruins, guardo sim, boas memórias para levar para sempre comigo.


E, concluo, afirmando que tudo isso foi por livre escolha, sem outros motivos senão minha própria vontade. Se alguém me perguntar "porquê"... não terei nada a dizer. Apenas acho melhor. E, como comentei com meu irmão, o SuperXP foi uma ocasião à altura desse término. Senti como um grande e caloroso abraço em uma passagem para uma outra fase e para horizontes diferentes. Fiquei com um sabor muito especial e uma impressão de que a hora de parar aconteceu de um modo extremamente gratificante.

  Prefiro deixar à parte as faces mais populares sobre o ofício de Design Gráfico. Todas as tiradas humorísticas já foram exploradas ao pont...

 

Prefiro deixar à parte as faces mais populares sobre o ofício de Design Gráfico. Todas as tiradas humorísticas já foram exploradas ao ponto de me cansar. Vamos imaginar um cotidiano sem memes e as queixas recorrentes de quem coloca a comida na mesa através das Artes Gráficas. Ou seja: tratemos de maneira sóbria essa profissão notória por ser ameaçada por "sobrinhos", por ter "prazos apertados", "alterações infindáveis", "trabalho excessivo" e etc.
 
Quem levanta tais problemas deve entender muito bem a necessidade de se mostrar muito além que um especialista em softwares. Melhor se preocupar com a busca pela qualificação profissional em um aprimoramento constante. Sobretudo, elevar o potencial para assumir cada projeto sob a convicção da execução eficiente no trabalho. E para isso, encarar o percurso pedregoso dentre os sequentes obstáculos e cada problema a se solucionar, estando aberto às críticas e pontos de vistas diversos.
 
Nas décadas de minha profissão, busquei tanto o estudo e a prática, quanto o sorver da sabedoria dos colegas mais experientes. E nesse convívio, vi alguns no início, como eu, saírem vitoriosos... de vez em quando carreiras irregulares e, às vezes, algumas desistências.
 
O Design está longe de ser uma disciplina que se encerra em si, necessita-se do entendimento de muito outros saberes. A solidez vem com a adaptação, o acompanhamento de tendências, observação e a atualização de repertório. Precisamos aprender diariamente, buscar por referências diversas e estarmos sempre atentos. O que já é esclarecido a qualquer um inicialmente interessado pela profissão, seja em uma universidade ou em um bom estudo autodidata.
 
É necessário vivência e também alguma teoria. Convém se debruçar em alguns fundamentos, como princípios de Gestalt, as bases da teoria das cores, composição e tipografia. E nem sempre essas informações convergem, as fontes de pesquisa atuais (internet) são conflituosas e podem confundir. Os aprendizados passam a fazer sentido quando há as consultas em bons livros aliadas à prática - o Design é uma ciência imprecisa, mas ao mesmo tempo, altamente exata.
 
Já topei com muita gente cujo desejo maior é/era ser Designer. Jovens motivados por visões sonhadoras e carregadas de fascínio pela carreira. Nunca estranhei, pois me orgulho de cada dia que acordo cedo, banho os olhos diante do espelho e me preparo para encarar a labuta. É inegável o poder das imagens, das formas e das ideias. Julgo bastante compreensível o brilho no olhar de um neófito transbordando entusiasmo pela possibilidade de trabalhar sendo criativo. Também me sinto dessa forma (às vezes)... mas o encanto tem suas turbulências.

Arte de  Santiago M López - @samlo.es Em um post passado, sentenciei algo o qual nomeei como "linhas sobrepostas acidentais". Po...

Arte de Santiago M López - @samlo.es
Em um post passado, sentenciei algo o qual nomeei como "linhas sobrepostas acidentais". Por indiferença sobre se tratar de um assunto bastante discutido, fui surpreendido com a informação de que tal deslize tem nome e sobrenome: Tangenciamento de Linhas. Vindo a saber, em seguida, do problema representar uma dor de cabeça frequente aos desenhistas com maiores consciências de seus trabalhos. Não é para menos: caso não seja contornado, o Tangeciamento de Linhas comprometerá o resultado como um todo, atraindo toda a atenção a ele. É certo de muitos artistas experientes o cometem e não se importam. E eu me pergunto: como podem?
 
Questiono se haveria alternativas ou meios de se evitar esse assombro. Se sim - suponho -, está na possibilidade de se ter algum controle na fase do esboço. Porque depois de finalizado, não há como retroceder. Exceto se houver a disposição para recomeçar o desenho através de uma mesa de luz. Válido, afinal, caso se tenha investido e acreditado na peça visceralmente, não há problema nesse esforço. O retrabalho pode ser mal recebido, então compreendamos o caso de mais uma folha amassada e atirada na lixeira, antecedendo uma nova tentativa em outra em branco. Com o desenho digital, já é bem mais fácil.

Arte de Terry Moore - @terrymooreart

Cheguei à conclusão de estar muito desconfiado quando passo os olhos em qualquer Arte pictórica. Suponho até ser a procura por esses acidentes a primeira ação de meu cérebro e olhos. Já se tornou automático e instintivo. Não quero parecer um sujeito atraído por colocar defeitos nos trabalhos dos outros. Não é bem ao "defeito" a fonte de atenção, mas uma decepção de pensar como o detalhe comprometeu algo merecedor de elogios. De como estaria perfeito por muito pouco...
 
Não sou crítico de Arte. Menos ainda tenho um conhecimento enciclopédico sobre Desenho. No entanto, carrego uma certa sensibilidade para esse assunto. Pratiquei e observei bastante. Torço pelos Desenhistas e por seus esforços. Pouco importa quem são ou de onde, se simpatizo ou não... eu quero ver êxito e boas escolhas. Sentimento também aplicado à minha própria produção. 

Arte de Moacir Torres - @moacirtorres.emt

Perfeição não existe, é verdade. Uma professora do ginásio - de língua portuguesa - jamais assinava a nota máxima aos alunos, alegando que o 10 pertencia a Deus. Mesmo gabaritando a prova. Talvez um jeito eficiente de proteger da frustração os que por uma questão apenas não se viram juntos à glória. Essa postura diante de sua classe era ao mesmo tempo rígida e complacente. Sob meu ponto de vista, uma atuação de muita coerência. Diferente dela, desejo aos artistas a avaliação maior. Ao passo que ela queria dos alunos os melhores resultados mas não admitir a perfeição - sendo em sua opinião reservada ao divino - acredito no sucesso a qualquer Artista com tal intenção.

Não me comparo a ela, uma mestre, habilidosa no lecionar. A didática está longe de ser uma de minhas habilidades e sou limitado em conhecimentos. Mas minha dúvida persiste e eu vivo me perguntando até que ponto ela teria razão... É tudo o que lembro quando me deparo diretamente com Tangenciamento de Linhas. Isso porque estou maculado por essa problemática. Não há retorno... observei demais, analisei além do que devia e o resultado é esse: tornei-me um intolerante.

Acho descabido furtar o tempo de uma pessoa. Não o peço se a ocasião dispensar. Clamar pela atenção e a presença de alguém? Não é de meus co...

Acho descabido furtar o tempo de uma pessoa. Não o peço se a ocasião dispensar. Clamar pela atenção e a presença de alguém? Não é de meus costumes. Com muita sinceridade, espero o mesmo dos que me cercam. Explico: zango-me facilmente quando algo ou alguém me impede de desenhar e/ou escrever. Em nenhum momento esses fazeres requerem pares ou espectadores. É uma passagem de tempo que se desfruta da mais absoluta solitude.
 
Revelo sempre que, aos sábados, após um café da tarde, dirijo-me à minha mesa ou meu display digital e me abrigo dentre papéis, lápis, tintas e softwares de edição de imagens. Os sábados são dias abençoados, principalmente os com chuva. Concentro-me debruçado nos desenhos durante horas, até me dar conta de que o dia terminou. Não há outros pensamentos senão os de executar a tarefa. Só me cabe a dedicação e o silêncio.
 
É parte de minha vida pacata. E deixo claro de nada ter contra as pessoas com estilos de vida diferentes e muito menos me considero melhor. Tenho bastante a aprender com quem exibe traquejo social e vejo com curiosidade os que gostam de estar constantemente cercados por amigos. Sempre conversando, sorrindo... contando piadas.
 
Porém, admito ser essa uma realidade bastante diversa à minha. As atividades às quais me entrego requerem uma presença similar à meditação. São momentos de distanciamento do cotidiano e de qualquer diálogo. Ocorre naturalmente a quem já insistiu o suficiente ao ponto de se deixar levar, tal em uma correnteza. É quando há maiores recompensas para si. Dando-se bem com a obra, o restante pode inexistir, tudo mais se torna irrelevante. 
 
Há uma variedade de motivações aos Artistas, indo da pura inquietação, à uma carreira profissional. Falando sobre mim - permitindo-me, já que o blog é meu -, faço por terapia. Dentre os aposentos do cotidiano, a Arte está no andar mais alto. É um lugar suntuoso do meu lar, ele é triangular e com a melhor vista. O significado disso em minha vida é o do prazer, é o do me sentir livre. É onde encontro realização.
 
Claro que a Arte também nos une. Sim, aproxima Artistas de Artistas e Artistas de apreciadores. O trabalho é solitário, mas quando se está disposto, pode-se estar em meio a uma "turma". Assim como acontece nos eventos onde costumo estar presente. É um convívio muito breve, com quem sei pouco e pouco saberei. Porém, é o bastante, pois são encontros sempre marcantes... são advindos de paixões em comum e do culto aos produtos culturais e do entretenimento.

Encontrar opções em atividades offline é uma recomendação repetida à exaustão por especialistas em bem-estar e saúde. Alguns até mesmo adver...



Encontrar opções em atividades offline é uma recomendação repetida à exaustão por especialistas em bem-estar e saúde. Alguns até mesmo advertindo sobre espantosas consequências destrutivas físico/intelectuais/cognitivas. Não acho que é para tanto (embora eu não tenha propriedade alguma para assim afirmar), acredito que as pessoas devam ter liberdade para usufruir de seus momentos vagos com atividades às quais encontram prazer.
 
Ainda crendo nas máquinas e telas como ótimas ferramentas de trabalho e excelentes meios de entretenimento, nos últimos dois anos, tenho me afastado delas progressivamente. À exceção do desenho digital, pesquisas e vídeos (YouTube)... distribuo meu tempo, fora do trabalho, de outros modos. Desenhar no método tradicional me traz mais prazer, aproveito melhor cada momento utilizando meus materiais artísticos e o sketchbook físico diante de mim.
 
Ler, vagarosamente, no papel também é melhor experimentado. Revistas, quadrinhos e livros impressos são fontes de grandes satisfações. O silêncio da leitura me traz deleite e alimenta a imaginação. Esse hábito é parte de meu cotidiano desde muito jovem e sigo com a mesma intensidade e frequência. Sou dono de uma concentração satisfatória, meus pensamentos se organizam e raramente me falta a paciência... estou sempre com algo para pensar a respeito.
 
Minha coleção de discos e meu aparelho de som fazem parte de outro hábito terapêutico. Satisfaço-me com o degustar de discos por completos, prestando atenção em faixa por faixa. Longe do celular e tendo nada diante dos olhos senão o teto ou um encarte, meus ouvidos captam cada onda sonora, cada acorde e instrumento. Dentre o silêncio da leitura, da abstração do desenhar no papel e da "barulheira" da boa música (os estilos que gosto), o cotidiano recompensa, oferecendo serenidade e autoconfiança.
 
Claro que no meio disso e daquilo, há os tempos de tela. Afinal, vivo o presente, vivo o mundo que me cerca, por mais caótico que muitos alardeiam tentando nos amedrontar. A vida virtual também é boa, não deveria ser tratada desse jeito. Vivi bastante, vi outras mídias serem atacadas e consideradas ameaças à juventude, o que mudou com o tempo. Do Rock às HQs, passando pela TV e os videogames... quando se olha para trás, vemos o quanto houve de engano.
 
Muitos fazem questão de vilanizar a tecnologia. Só que o vilão está em nós. Qualquer um com o mínimo de informação sabe que fazer três refeições diárias, alimentando-se de pizza de calabresa traz consigo riscos de problemas cardiovasculares e buracos nas finanças. Mas se o acesso a esse tipo de consumo for delimitado e intercalado com uma alimentação equilibrada, temos o divertimento garantido. Há, de fato, quem sofra com o vício, o que também pode representar a necessidade de alerta. Um diabético obcecado por doces precisa de supervisão e do autocontrole para se manter saudável.
 
O direito de se entreter e se expressar jamais deve ser reprimido e receber as culpas dos adoecimentos sociais. Há sempre algo a se apontar. Um monte de argumentos precipitados, cheios de preconceitos, associando o lúdico e os vícios menores como causadores dos males que sempre estiveram lado a lado com a humanidade. Respeitemos o tempo, os seus sintomas, comportamentos e como a cultura se molda e transforma. Para o bem e para o mal o fluxo é contínuo, do jeito como sempre foi e será.

  Antes mesmo da alfabetização, somos apresentados ao material mais elementar na jornada de um Artista: o lápis. Semelhante a uma bola, a es...

 

Antes mesmo da alfabetização, somos apresentados ao material mais elementar na jornada de um Artista: o lápis. Semelhante a uma bola, a estrutura e a interação com ele já nos diz ao que se destina. Traçamos e tracejamos, fazemos uma confusão de linhas, do mesmo jeito com que chutamos uma bola para qualquer lado. Se muitos se encantam com a bola, em um número bem menor há os seguidores do caminho do lápis - e estes são os dos nossos.
 
Nas possibilidades infindáveis do seu manejar, revelam-se mil e uma descobertas. É quando percebemos ser o lápis a extensão da mente e do coração. Imagens são transferidas para o papel e a imaginação se prolifera em cada parte em branco do mundo. Guardamos nossas folhas, orgulhosos, sob a avaliação generosa dos professores de Artes e de nossos pais e mães. Crescemos portando o lápis para onde vamos, guardando-o dentre nossos pertences. E ele representa o nosso refúgio na infância, na juventude e, quando a vida nos encaminha e permite, no viver adulto.
 
Ainda no colegial, apeguei-me muito à lapiseira (um lápis mecânico) e com ela rabiscava os cantos de livros didáticos e cadernos. Fui recriminado, severamente, por professores mais austeros com essa prática, não me causando qualquer espécie de arrependimento. Nós, do caminho do lápis, temos algo de transgressor. Os Desenhos ornam desde monumentos, paredes a móveis e utensílios domésticos... do mesmo modo que os profanam. Surge, dessa maneira, o valor da beleza ou o desafio à civilidade. Cada riscado acompanha a desatenção ao sagrado quadro negro e a ausência dos professores e autoridades similares.

O cotidiano é observado mais profundamente aos que persistem e resistem no Desenho. Quando se aprende o caminho e como o seguir, encontra-se a habilidade e, assim, as oportunidades de sermos livres. Somos propelidos por saber sempre mais e a admirar Artistas inspiradores. Logo, o caminho do lápis transcende, transforma-se no caminho das tintas, das telas, do grafite e assim por diante. Sobretudo, quem está nele, está por um tipo de afeto de difícil definição. Um sentimento aberto a interpretações e a incompreensões.
 
Embora induza ao interesse - às vezes admiração - por parte dos leigos, o desenhar transmite impressões oblíquas sobre nós. Dentre elogios e pareceres triviais, somos tratados de forma diferente, como se algo sagrado e pueril nos envolvesse. Aparentemente, estamos eternamente colorindo e contornando em busca da aprovação dos que nos cercam. Mas jamais recebemos indiferença ao revelar nosso (desculpe a palavra) dom a alguém que não saiba fazer um "boneco de palito". Vamos convir: não há qualquer erro nesses aspectos banais na vida de um Desenhista.
 
O valor de se usar o lápis está na expressão, no sabor de registrar o nosso imaginário e os nossos pensamentos. Povoamos dos livros infantis às páginas dos jornais, fazemos críticas, sátiras, homenagens. Pouco a pouco, e silentes, entregamos ao mundo muitos motivos para necessitar de Artistas empunhando o lápis. Quem subestima o Desenho ignora o poder nele contido e por isso se arrisca. A habilidade de dar formas às ideias age no subterrâneo e nos subtextos pictóricos, os quais combatem a tudo e a todos nas trincheiras opostas. O lápis também perfura e pode ferir - de forma subjetiva - incisivamente, até mais que a adaga.