02/08/2025 - Presente a uma Leitora Imaginária - Homem Quieto

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Testemunhei meu desenho eclodir de um ovo evolutivo e se revelar coberto por sua plumagem esparsa, completamente vulnerável e faminto - quan...

02/08/2025 - Presente a uma Leitora Imaginária

 



Testemunhei meu desenho eclodir de um ovo evolutivo e se revelar coberto por sua plumagem esparsa, completamente vulnerável e faminto - quando lhe ofereci o calor de meu acolhimento. Laborei nele zelosamente, esperando um dia o ver se tornar uma elegante e astuta ave negra - tão negra quanto o nanquim o qual hoje lhe fornece forma. Vendo-o agora, alçando seus voos diante de tantos olhares curiosos (e às vezes admiradores), sinto-me orgulhosamente recompensado por progredir e pela disposição à perseverança.
 
Como assim o descrevo, o trabalho alcançou valor, adquiriu importância e foi além: transformou-se em um produto possível de ser oferecido como um presente. Presentear e ser presenteado me causa desconforto. Explicar isso coerentemente é difícil. Para mim, esse tipo de envolvimento me faz sentir encabulado. Em contrapartida, vejo a minha Arte como o presente mais sincero que eu possa oferecer. Veja: tais sentimentos reforçam as minhas convicções de meus pensamentos se voltarem mais à criação e serem menos lógicos. 
Na fase do esboço é preciso mão leve.
Foi como resultado desses pensamentos divagantes, o surgimento de uma leitora imaginária à qual quero presentear. Ela é hipoteticamente fã de minha HQ Vivi Morbi e cujo perfil fictício se incluiria: gostar de gatos, tatuagens old school, teorias conspiratórias sobre alienígenas e ter como filme predileto "A Fantástica Fábrica de Chocolates". Para mim faz sentido, então... seguimos assim... a lógica está suspensa, por enquanto. Descrições adicionais são desnecessárias - a ilustração fala por si.
  
Em uma análise rápida, há evidências sobre como eu surpreenderia singelamente a minha "leitora". Entendendo cada parte da ilustração chegamos ao todo. Concebo, assim, uma imagem e suas alegorias. Executo cada detalhe utilizando de algo ao que me refiro como "Arte Gráfica"... a rigor, o ato de "grafar". A grafia sugere formas e conceitos, alimentando as percepções e os pensamentos.
Meu sketchbook segue recebendo nanquim semanalmente.

Ao vermos a pegada de um tênis em um chão de terra, imediatamente associamos ao calçado. Saberemos aproximadamente o número comparando aos nossos pés. Se a marca do fabricante estiver presente, poderemos supor a suas campanhas publicitárias e estimar até mesmo o valor. Embora nas palavras desse post, e nos traçados de minha ilustração, não falemos de uma linha de produção, a analogia acrescenta bastante sobre as minhas intenções. Neste fazer lúdico, cubro a folha em branco, fazendo uso do improviso, do intencionalmente espontâneo e intuitivo e em suas escolhas mais honestas.
 
Sou o ator subindo ao palco e acrescentando falas ao script (enquanto escrevo) e faço tal o jazzista com o instrumento musical em suas mãos (enquanto desenho). Tudo ao meu modo, valendo-me da intuição inclinada ao dionisíaco e calando temporariamente os hábitos apolíneos aos quais normalmente sigo. Convertendo meu "modus operantis" habitual, trago na Arte a permissão em me contradizer. Aqui deposito justamente a quebra de qualquer regra. Exato como minha leitora provavelmente apreciaria e daria um sorriso aprovador.

Desenho finalizado.

E a quebra de regras é bem-vinda, ela traz emoções de difícil explicação. Houve um evento, em que expus, onde um rapaz pegou uma das prints de minha mesa enquanto eu "não via" e apenas a colocou em uma bolsa e saiu sorrateiramente com a sua apropriação indébita. Inicialmente fiquei furioso, porém o sentimento foi substituído em poucos minutos - pensei melhor e me senti envaidecido. Oras, meu desenho é assim tão valioso ao ponto de alguém querer roubar? Foi o que me pareceu naquele momento.