setembro 2024 - Homem Quieto

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  Recém-chegado e em um momento de descoberta, tenho me entusiasmado bastante com a plataforma Fliptru . Enxergo, nessa comunidade, uma real...

 Recém-chegado e em um momento de descoberta, tenho me entusiasmado bastante com a plataforma Fliptru. Enxergo, nessa comunidade, uma real revolução para o quadrinho nacional. De tal forma que, no post de minha participação do fanzine Sonoridades Múltiplas, fiz uma pequena lauda emocionada sobre o que encontrei nesse mundo se abrindo diante de nós, brasileiros da Nona Arte. O Fliptru é um site 100% nacional, estruturado para possibilitar leituras e publicações de HQs livremente, mesmo sem envolvimentos monetários. Com a ideia de divulgação e o fomento ao consumo de quadrinhos brasileiros, essa proposta se mantém firme ao lado de quem realmente gosta dessa mídia no território nacional. O site se mantém através de monetizações por meio de anúncios (como os que já conhecemos na internet), e de obras patrocinadas com as compras de “moedas”, o método pelo qual operam as transações internamente.
 
Uma iniciativa extremamente visionária, em um cenário onde predominam sites estrangeiros com menor acessibilidade aos nossos leitores/artistas. Esses sites para publicações HQs já existem há tempos, mas com algumas barreiras, indo os idiomas ao soterramento por profissionais internacionalmente consolidados e suas obras dominantes por aqueles lados. Já as oportunidades do Fliptru são ilimitadas e capazes de unir leitores à autores coletivamente, propagando o frescor de uma nova Era da internet. Como dito pelo próprio Marcus Beck, mantenedor solo do site Fliptru, a sua criação vem se transformando em uma nova espécie de “banca de jornal”, onde o leitor entra, olha, folheia e leva o que quiser! Com esse espírito inovador e extremamente corajoso, Beck vem favorecendo uma enxurrada de obras brasileiras, através do meio digital.
 
No Fliptru, estão desde os quadrinhos com maiores visualizações, aos que ainda precisam ser desvendados. E tudo dispensando algoritmos e regras com os quais todos acabaram se rendendo sob os ditames das redes sociais. Prova disso, é que temos na página inicial, sugestões completamente aleatórias aos visitantes em um espaço chamado “Já leu esses?”, dando chances a quem aparece um pouco menos nas pesquisas. Centenas de frequentadores, ao longo de mais de cinco anos, transformaram o espaço em uma referência para brasileiros em busca de entretenimento outrora tido por “ultrapassado”. O impensável ser tornou verossímil: quadrinhos não são mais uma mídia morta ou destinada aos saudosistas acumuladores de papel. Estamos em um momento altamente atualizado e vigoroso à Arte Sequencial!
 
Motivos não me faltaram para escolher, em definitivo, o Fliptru para meus quadrinhos. Migrei os antigos, e neste momento, tenho publicado Vivi Morbi (minha HQ em andamento). E estou muito bem acompanhado por lá. Tenho feito novas amizades e conhecido obras sensacionais, com os mais diversificados temas. Algumas com qualidade de se admirar. Nosso campo já está sendo bem semeado, adubado e próximo dos dias em que teremos vastas colheitas de quadrinistas publicando, sendo lidos e, com a licença para sonhar: realmente vivendo de seu trabalho. Quem viver, verá!

  No desenho, necessita-se o entendimento de anatomia, luz e sombra, cores, formas, perspectiva e composição. Qualquer praticante com nível ...

 

No desenho, necessita-se o entendimento de anatomia, luz e sombra, cores, formas, perspectiva e composição. Qualquer praticante com nível intermediário já consolidou esses fundamentos… ao menos o bastante para colocar as suas ideias sobre o papel. E tais princípios evoluem com o mínimo de persistência. Não há limites para progredir, estagnar-se é a consequência de se estar satisfeito e não pretender ir além. Quando ainda em desenvolvimento, pode-se demarcar um escopo, como por exemplo, observar a obra de um Artista pela qual se agrada e a ter como destino maior a se atingir.
 
A certa altura, soltamos a mão das referências, percebemos nosso jeito de desenhar e acatamos as imperfeições. A união disso resulta no tão cobiçado “estilo”, comumente perseguido pela maioria dos desenhistas. O que só acontece espontaneamente e sem autoimposições - mas sim com naturalidade ao longo de nossas práticas. Quando o estilo se torna perceptível, então temos o progresso maior, o degrau derradeiro de nossas escolhas. Estando, deste modo, diante do domínio da linguagem com a qual nos propomos expressar na plena certeza de que temos um timbre único. Mas para isso, precisamos dos ensinamentos de dois professores de disciplinas distintas: O Tempo e a Prática.
 
O Tempo oferece o amadurecimento e a compreensão. É impossível ultrapassar o tempo, ele é implacável e severo - não há como o apressar, nem o fazer parar. Devemos entender que o tempo é único, porém se move de forma diferente para cada indivíduo. Como bem sabemos, essa dimensão universal é relativa e de percepções diversas. O Tempo oferece infindáveis alternativas de sermos transformados pela experiência. Do mesmo modo, o Tempo é um "bem". Uma moeda. Tão valioso que devemos usar muito conscientes de sua valia.
 
O professor seguinte é a Prática. Fazer, refazer, verificar no que errou, fazer novamente e se aplicar a entender sobre o que está trabalhando, prestando a máxima atenção. O praticar deve ser diligente e constante. É necessário retirar aprendizados dos erros e acertos, sempre em busca de uma melhor execução. Se não houver empenho e constância, os resultados também não surgirão e é possível haver o desânimo diante das consequentes dificuldades. Por isso, deve-se reservar espaço na rotina para a prática.
 
Quando nos orientamos com o Tempo e a Prática em prol de propósitos mais "subjetivos", como o cultivo de um pano de fundo para nossas vidas e obras Artísticas, invocamos o entusiasmo e atraímos grandes inspirações, fortalecendo-nos para externalizar as nossas mensagens do jeito como pretendemos.

  Quase todas as pessoas, do meio quadrinistico com as quais já conversei, têm pretensões ou envolvimento profundo com a ficção. Na maioria ...

 

Quase todas as pessoas, do meio quadrinistico com as quais já conversei, têm pretensões ou envolvimento profundo com a ficção. Na maioria das vezes, elas criam personagens, mundos, dentre vários panoramas imaginários. Percebo isso e não é de hoje: vem desde os meus primeiros contatos com essa muito boa gente, ainda nos anos 90. Ao me reunir, aqui mesmo em minha cidade, com os comparsas das HQs, participei de longas conversas a respeito de nossas criações, quase sempre acompanhadas de rabiscos e textos. Eram tempos da Arte literalmente em “preto no branco”, escrita e desenhada no único suporte que acessávamos: o papel. Com isso, testemunhávamos as criações uns dos outros e tínhamos experiências acontecendo face a face, muitas vezes, ao longo de tardes inteiras em rodas de conversas. Naqueles papos, surgiam fanzines e ilustrações em cooperações, além de troca de quadrinhos de bancas e revistas informativas. Nessa verdadeira "fábrica" de ideias, nossas inspirações se uniam e se multiplicavam sem limites - ao menos até um pouco antes de resolvermos arrumar empregos.
 
Na segunda metade dos 90, houve uma intersecção nos encontros entre artistas, indo dos presenciais aos contatos online, junto ao advento da internet e todas as suas espantosas revoluções. Com as raízes ainda se formando, a internet chamava a atenção pelos recursos de imagem e hipertextos, outrora concebidos apenas na Ficção Científica – mesmo com os longos minutos de espera para o carregamento de quantidades mínimas de KBs. As conversações em chats e nos softwares de troca de mensagens enriqueciam ainda mais nossas criações, ao mesmo tempo em que nos colocava em uma procrastinação infindável. Na mesma época, popularizavam-se os softwares como o Photoshop e o Corel Draw, trazendo infinitas possibilidades de manipulação de imagens. O que favorecia a iniciativa de produções editadas de forma independe, justamente em um tempo no qual a grande indústria das HQs recebia o tratamento digital como diferencial inovador a todo o público reunido em torno dessa cultura.
Sob os prós a contras daquela leva de novidades e ideias mil, permaneciam criativos os ignorados quadrinistas, desenhistas e escritores amadores, incompreendidos pelos habitantes de fora daqueles campos. Não por isso deixando de levar suas pastas consigo e nos seus momentos de descanso do cotidiano, criar universos e realidades alternativas, oriundos do cinema, HQs, literatura e da TV. A inquietude diante de uma indústria implacável – também amada – fazia com que seus admiradores se tornassem visionários e ousassem tentar tocar as estrelas com as suas ideias efervescentes. Hoje, pode parecer até ser uma bobagem, mas quem viveu aqueles tempos, sabe o quão inacessível era uma máquina de Offset e o tanto de dispendioso eram seus insumos – resultando na grande intangibilidade de uma publicação autoral. Ainda os mais abastados estavam longe de sequer cogitar a possibilidade de apostar tão alto.
 
Mas a imaginação de um desenhista/quadrinista/roteirista é indomável e a esperança jamais se extingue, menos ainda quando se é jovem. Logo, as histórias não morrem e a Arte Sequencial é cultuada e amada eternamente, seja no canto recluso de uma escrivaninha, ou dentre um bando partilhando uma mesa de bar, servido de algumas cervejas. Estando tanto tempo longe disso, pergunto-me se ainda há espaço para essas conversas. Acho que não, o lero-lero improfícuo das esquinas mais frequentadas da internet infectou os melhores ambientes, indo além dos convívios virtuais. Há exceções, mas não me resta energia para procurar e ir de encontro a novos comportamentos. Estou bastante cansado e por isso prefiro os eventos. Eles são a grande diversão de minha "Era" atual, tornando-se o meu "barato" maior do momento presente. Lá, tudo é possível e estamos livres e desimpedidos para sonhar e enxergar o mundo sob os nossos mais lúdicos pontos de vista.